31.3.07

Broa

Ontem, a minha vizinha fez pao. Nesta zona chamam "broa" a um pao com uma pequena percentagem de farinha de milho. A codea é a de um pao normal, mas quando se corta apercebemo-nos da textura que a farinha de milho lhe dá.
Tive direito a uma broa, ainda quente, que cheirava a forno de lenha.

Tools of the trade

Fiz como os outros. Fui para a horta; com as chaves de casa, uma garrafa de água, o telemóvel (sim, o telemóvel!...) e a minha enxada, acabadinha de comprar. Felizmente nao levei os óculos escuros - seria um tudo-nada exagerado...
Os homens avaliam a minha enxada. Sao mais tímidos que as mulheres e só falam comigo depois de algum tempo. Comentam o cabo envernizado, a lamina limpa. Um deles aproxima-se e pega-lhe; esboça um sorriso. "O que foi?" pergunto desconfiada? "Fiz uma compra péssima?"

"Não, não; até que não é má. Quanto custou?"

"Quanto acha que vale?" atiro-lhe.

"Bem, uma boa enxada..." Interrompo, com medo das comparações: "Uma boa enxada não, uma enxada normal...". "Bem, uma Belota (é uma marca espanhola de alfaias) custa-lhe aí uns treze euros."

Aliviada, digo-lhe que comprei a minha por seis euros, no Continente. É uma Tramontina, brasileira. Gostei do texto gravado no cabo: Brasil - reflorestamento.

Direito de passagem

Fui muito bem recebida na aldeia. Os vizinhos que sao amigos partilham as tarefas do campo, porque nao há ninguém disponível para trabalhar. O trabalho é pesado e deve ser mal pago.
Entao eu, num golpe de sorte, fui incluída neste circuito.
Primeiro perguntei ao senhor A., que tem quintais perto de minha casa, se me podia lavrar o terreno, pagando. Disse-me que ficava tao agradecido por eu querer manter a horta limpa - durante anos, as silvas encheram o meu terreno e galgavam os muros - que o tractor ficava por conta dele.
Recusei; afinal, nao quero dar-lhe despesa.
Avaliou-me rapidamente com o olhar e fez-me uma proposta: "Se me deixar usar este carreiro, lavro-lhe a horta e nao tem que se preocupar com o tractor."
Aceitei, agradecida; sei que a passagem pelo carreiro lhe poupa um esforço extra para chegar ao quintal.
E acrescentou: "Depois ponho-lhe lá algum feijao e tomate..."

Vai plantar batatas...

Há uma semana, precisamente, os proprietários da hortas vizinhas foram plantar batatas.
Nao, a sério, foram mesmo plantar batatas.
E eu fui com eles...

she loves me... she loves me not...

A Névoa, dependente como sao os caes, tenta enfiar-se em baixo da mesa do escritório - "escritório" é o nome que dou ao espaço de 4m2 onde consegui enfiar duas estantes, uma micro-mesa de cozinha que serve de secretária e alguns caixotes ainda empilhados. Nao consegue, o espaço é demasiado pequeno para os cerca de 40 kgs que pesa.
Em alternativa deitou-se ao meu lado, enfiando as patas da frente e o focinho entre as rodas da minha cadeira. Ainda nao dorme mas respira profunda e pausadamente.
Os animais tem isto de espectacular - é tudo deles... sobretudo a dona. Nao tem dúvidas ("she loves me... she loves me not...") e as cenas de ciúmes sao raras. Cadela e gatos convivem em franca harmonia, até que o factor "comida" entre em jogo.
Já ressona. E agora, pela janela, vejo a chuva cair.

É sábado


O despertador começou a tocar às 7h15m. Ainda tentei ignorá-lo mas realmente é um desperdício ficar na cama quando tenho toda uma aldeia para descobrir.
Só se ouvem os pássaros; consigo apenas identificar o som dos corvos - lindos, sobrevoam o vale em grupos de 2 e 3 - e o que me parecem ser pica-paus - nao sabia que existiam pica-paus em Portugal...
Alguns pássaros estao a fazer ninho na sebe da frente - significa que nao vou poder apará-la tao cedo.
Tenho jarros no jardim - ou como a Wikipedia explica, "planta da família das aráceas". A foto vem da mesma fonte - nao consigo copiar as fotos do meu telemóvel.

30.3.07

Quem manda aqui?!

A casa estava desabitada há um ano. Muitos mais teve de descuido.
Os insectos reclamaram a propriedade e nas primeiras visitas eu entrava devagarinho, olhando para as paredes e tectos, à espera de ver que aranhas e outros companheiros por lá andariam - a medo, claro.
Uma vez, mal abri a porta vi na parede em frente uma centopeia descomunal - achei eu; mas media uns bons 10 cm de comprimento, negra. Fugiu parede fora e refugiou-se na sala do fundo. Ainda hoje olho atentamente, à espera de a encontrar; mentalmente, estabeleço as várias estratégias - passam normalmente por bater em retirada e ter a esperança de que o tempo de vida dela esteja a terminar.
Nas visitas seguintes optei por bater à porta primeiro: "Vou entrar, escondam-se..."
Agora decidi reclamar o meu direito de propriedade: "Quem manda aqui?!" Mas continuo a pôr as aranhas na rua, esperando que não voltem.

20.3.07

Na primeira visita "oficial" à casa, fui recebida pela D. Maria do Carmo, que repetia "Parabéns, parabéns, muitos parabéns" enquanto juntava as mãos num aplauso sem som; foi o primeiro sorriso de Vale de Colmeias.
Desde então, visita-me para me trazer grelos "de couve e de nabo", tangerinas acabadas de apanhar e umas "batatitas" por ela plantadas.
Mantemos conversa de vizinhas - pergunto-lhe pela família, se vai esta semana à feira. Por vezes, de manhã muito cedo, fala-me da janela, ao longe; não a vejo, o sol levanta-se exactamente naquela direcção. Dá-me indicaçoes - "aqui, da janela da minha cozinha..." Respondo com um acenar de braço, para que seja visível e um "bom-dia, como está?".

A mudança

Mudei de casa. Levou-me três dias de trabalho intenso, com a ajuda de amigos. Depois, mais duas semanas a tansportar "os restos", aquilo que ainda não decidi dar ou deitar fora. Os livros, o material de escritório, o número infindável de pastas, ficheiros, arquivos de todo o tipo...
Adio novamente a decisão... É preciso mudar, depois escolho...